Em entrevista com o The Portugal News, Sara contou a sua história e, claro, falou da The Wine House.

The Portugal News (TPN): Como descreve o seu percurso pessoal e académico?

Sara Matos (SM): A minha área de formação base não era vinhos, tanto que eu sou licenciada em relações internacionais, pela faculdade de Economia em Coimbra e depois fiz um mestrado em turismo em Aveiro.

Quando estava a terminar um mestrado em turismo, o meu orientador, o Professor Carlos Costa, estava a trabalhar com Comissão da Bairrada para criar um plano de turismo para a região. E foi aí que conheceu, entre outras pessoas, quem viria a ser o meu futuro chefe, que era o engenheiro Luís Pato. Como o engenheiro andava à procura de alguém para trabalhar não só no turismo, mas também noutras áreas, o Professor Carlos Costa recomendou-me ao Luís Pato.

Nesta altura não sei absolutamente nada sobre vinho e tinha 27 anos. Ele recomendou-me eu falei com o Luís Pato e comecei a trabalhar com ele e lá estive durante 9 anos. Portanto, basicamente tive uma escola, onde diariamente fazia perguntas a alguém muito reconhecido e com muito valor no setor.

Durante esse trajeto fiz uma pós-graduação em enologia, porque foi fácil apaixonar-me pelo vinho. Não só por estar a trabalhar com o vinho diretamente, mas porque tudo no vinho pareceu logo altamente fascinante e um fio puxa outro fio e. Nesse sentido, fiz a pós-graduação na Universidade Católica, no Porto, depois fiz uma vindima na Austrália, na altura achava que ia ser enóloga, mas mudei de ideias depois de ir à Austrália.

TPN: O que aconteceu na Austrália que a levou a desistir da profissão de enóloga?

SM: Quando trabalhava com o Luís Pato, a minha presença física era muito importante, ou seja, eu precisava de estar na adega para fazer o meu trabalho porque agilizava visitas e fazer coisas simples, como atender o telefone ou a articulação com armazém.

Assim sendo senti a necessidade de sair, porque eu queria fazer outras coisas, quase como quando saímos de casa dos pais, sabe bem estar lá, mas queremos outras coisas. Como eu tinha de estar fisicamente lá, senti a necessidade de encontrar um trabalho onde pudesse viajar mais e fiz isso nos Lavradores de Feitoria, como trabalhava com a exportação viajava mais.

Quando eu me apercebi passando uma vindima na Austrália, que mais uma vez era um trabalho, muito preso à adega que me obrigava a estar geograficamente no mesmo sítio., muito no mesmo sítio.

TPN: Que diferenças notou entre a produção de vinho australiana e portuguesa?

SM: As diferenças notam-se desde a vinha, quer dizer há técnicas que eles usam na vinha, por exemplo, esta zona onde eu estive chama-se Yarra Valley, perto de Melbourne.

E eles têm um problema que se chama Philoxera, que é uma doença que atacou a Europa no século 19, destruiu grande parte das vinhas e lá e é uma doença que ainda existe, mas cá está controlada por várias razões e lá continua a ser um problema. Nós, por exemplo, antes de calçar as botas tínhamos de passá-las por um produto de tratamento para não andar a passar. A doença entre as vinhas.

Portanto, logo na vinha há muitas coisas diferentes, há muito menos a viajar. Na altura já havia um grave problema de mão-de-obra que agora também se costuma, começa a notar em Portugal. Apesar de tudo, este produtor da trabalhei era um produtor que tinha feito vindimas na Europa, inclusivamente no Douro e, portanto, ele queria fazer um estilo de vinho muito mais ao estilo velho mundo, que é a Europa. Nalgumas coisas ele, ele aproximava-se, mas é uma exceção, porque realmente.

Há grandes diferenças, desde a viticultura até à forma como eles, processam na adega. Inclusive, o cuidado com a água, por exemplo. Na altura bastava um de nós brincar um bocadinho com a água e éramos logo chamando a atenção.

TPN: E foi a partir daí que surgiu a vontade de criar a The Wine House?

SM: Na verdade isso se calhar, foi uma coisa que cresceu comigo, com a minha ligação com o Luís Pato.

Eu tinha mesmo como comercial achava que tinha mais jeito para partilhar a minha paixão do que necessariamente para fechar negócios. Portanto, eu fazia isso no meu trabalho, explicar às pessoas como é que os vinhos se caracterizavam. Pensava, “vou falar desta casta, tenho de saber que casta é esta, tenho de perceber bem esta casta. Vou falar sobre como é que se faz este vinho, tenho de perceber bem este método de produção”. Portanto eu preocupava-me já com este detalhe.

Foi em 2020 que abri aqui a escola da The Wine House em Coimbra. Há quase 18 anos que trabalho com vinhos, que fazem parte da minha da minha vida profissional, mas também na minha vida pessoal.

A escola surgiu um pouco como um projeto egoísta porque gosto muito de estudar. A escola é uma desculpa para eu estudar para depois poder então ensinar e poder falar sobre aquilo que que estudei.

TPN: A pandemia trouxe algumas dificuldades para o início das atividade da escola?

SM: Foi um início muito conturbado, apesar de ter acontecido no momento certo. Abri a escola em janeiro de 2020, portanto, 2 meses antes do primeiro confinamento, e lembro-me perfeitamente o último curso que eu tive aqui, uma semana antes do confinamento. Eu tinha a sala cheia, com cerca de 20 pessoas e na semana seguinte estava tudo vazio.

As pessoas diziam que tinha de me reinventar, mas era impossível, pois tinha acabado de me inventar. Vivi irritada com o facto de não poder dar os cursos, e fiz uma pausa enquanto estivemos no primeiro confinamento. Não fiz nada porque não queria fazer curso online, porque não gosto da ideia do ensino à distância.

No segundo confinamento, cedi e comecei a fazer mais cursos online e criei o clube de vinhos, que ainda hoje persiste.

TPN: O que é o Clube de Vinhos?

SM: O Clube de Vinhos é uma subscrição mensal, em que eu escolho os vinhos de acordo com os gostos dos subscritores. Não é uma caixa igual para toda a gente e baseia-se muito na filosofia que eu tenho na escola e principalmente no primeiro curso que eu recomendo que todos façam sempre, o Wine Games, pois é necessário que as pessoas descubram porque é que gostam dos vinhos que gostam.

TPN: Durante os seus cursos é impossível falar apenas de vinho, certo?

SM: Nós temos 2 tipos de curso, os que são criados por mim e os cursos da WSET, entidade inglesa que é o Wine and Spirit Education Trust, que confere diversas certificações a escolas em todo o mundo.

Nos meus cursos, os alunos estão sempre a ouvir-me fazer paralelismos entre o vinho e as pessoas. No que diz respeito ao envelhecimento dos vinhos, no que diz respeito ao porque é que gostamos de determinados vinhos ou porque é que estamos determinadas pessoas. Mas obviamente que o vinho agrega tudo o resto durante o seu estudo. Agrega tudo sobre geologia sobre solos, microbiologia, fermentações, etc.

TPN: Sendo mulher, alguma vez sentiu hostilidade na sua profissão, que é maioritariamente exercida por homens?

SM: Não que não haja muitas mulheres, há muitas mulheres nesta profissão, mas estão nos bastidores, estão nas adegas, estão nos escritórios. Normalmente quem está à frente e quem dá a cara é o homem. Se quisermos ir de forma mais profunda, eu vejo este reflexo nas minhas aulas de uma forma geral, mas mulheres não estão na ribalta, portanto, não falam, não se expõem tanto. E os homens às vezes sobre expõem-se, falam onde não deviam falar porque acham que têm de dizer qualquer coisa.

Na minha opinião, não devia ser uma questão do género, porque eu sou mulher e sinto que efetivamente as coisas demoram mais por isso. Mas não, não acho que seja por eu ser mulher, é algo que tem mais a ver com a minha personalidade.

Eu considero-me uma pessoa assertiva com autoestima e que, portanto, e tento passar isso aos alunos, inclusivamente.

TPN: Como é que transporta a personalidade de uma pessoa para um vinho, ao ponto de conseguir entender os seus gostos?

SM: Nos cursos começo a conseguir ver isso. Por exemplo, o facto de eu gostar de amarelo não quer dizer que eu odeio preto. Eu posso gostar de amarelo e posso gostar de preto e às vezes acontece uma pessoa gostar de 2 estilos completamente diferentes. Nesse sentido, no Wine Games fazemos um teste genético onde se avalia, por exemplo a sensibilidade ao sabor amargo. A partir daí, divide-se o grupo em três tipos de pessoas, aquelas que sentem o amargo e acham horrível. As pessoas que sentem, mas não incomoda e, portanto, estas são as pessoas mais abertas à experimentação. E aquelas pessoas aqui não sentem nada, as chamadas tolerantes, que precisam de vinhos muito mais intensos.

TPN: O que acha da frase “o vinho guarda-se para pessoas especiais e não para ocasiões especiais”?

SM: Agora até fiquei arrepiada, é engraçado, a primeira coisa que pensei foi no frigorífico de vinhos que tenho em casa. Eu tenho um filho de 6 anos e neste momento estou a construir ou a minha a minha ideia encher aquele frigorífico com vinhos do ano em que ele nasceu, 2017, e ofereceu-lhe o frigorífico todo quando atingir a maioridade.

Portanto acho que se pode fazer coisas bonitas com os vinhos. Quanto aos vinhos serem para pessoas especiais, em teoria, eu sei que há vinhos que se eu abrir com determinadas pessoas, não vão ter o reconhecimento que eu gostava de ter por estar a partilhar uma coisa daquelas, que às vezes tem uma garrafa cara, uma garrafa que eu trouxe de uma viagem qualquer.

Portanto, é preciso escolher o público para quem se abre determinada garrafa, é verdade.

TPN: Para além da The Wine House, tem outros projetos?

SM: Eu criei uma marca de vinhos com a minha amiga e sócia Ana Sofia, que é o Defio, que significa desafio em esperanto e são dois vinhos em lata.

São vinhos premium, os primeiros e únicos até agora em Portugal. Vinhos premium, em lata sem gás, que vieram a tornar-se uma cerveja é uma mistura do nosso vinho branco com uma base de uma Blond Ale.

A The Wine House tem também um projeto muito giro que são os mapas [que demarcam as regiões vitivinícolas de Portugal]. Neste momento temos mapas de Portugal e das regiões vitivinícolas da Bairrada e Douro e espero até ao final do ano fazer mapas das restantes regiões.



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Deeply in love with music and with a guilty pleasure in criminal cases, Bruno G. Santos decided to study Journalism and Communication, hoping to combine both passions into writing. The journalist is also a passionate traveller who likes to write about other cultures and discover the various hidden gems from Portugal and the world. Press card: 8463. 

Bruno G. Santos